NATUREZA JURÍDICA DO CARGO EM COMISSÃO

Como se sabe, a Constituição Federal, diferentemente da Constituição anterior, promoveu uma clara restrição do acesso a cargos públicos a quem não se submetesse ao concurso público, limitando sobremaneira a ocupação de cargos comissionados. Para tanto, o inciso V do art. 37 limita os cargos comissionados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” e o inciso II determina que um percentual mínimo – a ser definido em lei – de cargos em comissão deve ser, necessariamente, ocupado por servidores efetivos. 

Fácil perceber que as diferenças entre cargos efetivos e comissionados vão muito além da forma de investidura ou provimento, mas deitam precisamente no feixe funções, característico de cada qual. 

É dizer: é inconstitucional o provimento de cargos em comissão para o exercício de funções operacionais, técnicas e burocráticas, pois o desenho constitucional os limitou para as funções de direção, chefia e assessoramento. 

Não havendo equivalência de funções entre comissionados e efetivos, a natureza do provimento é questão de somenos importância. 

A razão de ser dos cargos em comissão destinados ao preenchimento por pessoas de fora dos quadros efetivos, conforme previsto na Constituição Federal, está intimamente ligada à necessidade de haver confiança entre o nomeante e o nomeado a tal ponto que se torna necessário – para tal vínculo de confiança – a excepcional busca de pessoas não pertencentes aos quadros da Administração Pública, e, portanto, investidas por meio do concurso público, e ainda, cujas funções sejam restritas à direção, chefia e assessoramento. 

Em outras palavras, os cargos em comissão, se não completamente desnecessários à luz da Constituição Federal, devem ser de provimento excepcional, raro, pontual, e exclusivo para as funções de direção, chefia e assessoramento, cuja confiança pessoal com a autoridade nomeante é o elo que o justifica. 

Este, nos parece, o entendimento mais acertado diante do contido na primeira parte do próprio inciso II do art. 37 da Constituição Federal: 

“II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. 

Tal dispositivo deixa claro que a regra absoluta de investidura em cargo ou emprego público é o concurso público, deixando a exceção a esta regra para os cargos em comissão. 

E tais cargos em comissão se destinam exclusivamente às funções de direção, chefia e assessoramento, cujo elo de confiança entre o contratado e o contratante é condição inafastável do próprio exercício das funções daquele. Sem tal liame o cargo em comissão não se justifica, devendo as respectivas funções serem exercidas por servidores efetivos, investidos por meio do concurso público. Aliás, é justamente a quebra deste elo que justifica a “livre exoneração” dos ocupantes de cargo em comissão, mencionada pela Constituição Federal. 


Do Preenchimento dos Cargos em Comissão por Servidores Efetivos 

Neste momento, requer-se atenção especial para a parte destacada do dispositivo em comento: 

“V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. 

O dispositivo destacado trata da reafirmação do contido no inciso II de mesmo artigo. Explica-se. 

Uma vez que a ratio legis do art. 37, II é de que a regra é a investidura em cargo público por meio de concurso público, como forma de validação dos princípios insertos em seu caput (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), o inciso V determina que mesmo os cargos em comissão – de nomeação e exoneração ad nutum – devem ser, preferencialmente, ocupados por servidores efetivos. 

Neste diapasão, a norma comanda que lei deve estabelecer as condições e percentuais mínimos para o preenchimento de cargos em comissão por servidores efetivos. É dizer, mesmo os cargos em comissão não podem ser preenchidos em sua totalidade por pessoas alheias aos quadros efetivos da Administração Pública

A norma se coaduna com a sistemática do regime administrativo inserto na Constituição Federal, uma vez que, ainda que a razão de ser dos cargos em comissão seja o elo de confiança entre o comissionado e seu nomeante, não é crível que tal liame exista apenas entre o nomeante e pessoas não concursadas. Ao contrário, é muito possível que haja tal ligação entre servidores efetivos. Por essa razão, a Constituição Federal determinou que nem todos os cargos em comissão podem ser preenchidos por pessoas não concursadas. 

Em suma, a norma constitucional procura restringir ao máximo o preenchimento de cargos em comissão por pessoas de fora do quadro de servidores efetivos, configurando, mais uma vez, a situação como excepcional no âmbito da Administração Pública. 

Os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade no Preenchimento de Cargos em Comissão

Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, aqui tratados, longe de pretenderem estabelecer uma equivalência numérica entre cargos efetivos e comissionados, significam justamente o oposto.

Por exemplo, se cargos em comissão só são permitidos para funções de direção, chefia e assessoramento, não é razoável que hajam diretores ou chefes sem subordinados a quem dirigir ou chefiar (independentemente de sua quantidade). Do mesmo modo, não é razoável a criação de cargo em comissão de assessor cujas atribuições de auxílio não exijam nenhuma relação de confiança em particular. Igualmente, não é proporcional haver cargos de direção com apenas um subordinado, já que a direção, além de pressupor competências decisórias e exercício do poder hierárquico em relação a outros servidores, está relacionada ao nível estratégico da organização e não operacional, de modo que não tem nada de estratégica a previsão de um diretor com apenas um subordinado. Assim, se determinado feixe de funções exige o exercício por apenas um servidor, não é proporcional haver um diretor para o dirigir. O mesmo vale para chefias. 

As funções de direção e chefia, portanto, compõem a estratégia organizacional da Administração Pública, e a função de assessoramento, como cargo em comissão, exige uma particular vinculação de confiança. 

Dos Privilégios Legais para Servidores Comissionados 

Como se viu em linhas anteriores, a Constituição Federal procurou minimizar a presença de servidores comissionados, dando preferência às admissões de cargos efetivos nos quadros da Administração Pública. Uma das evidências do que se acaba de dizer, é justamente, a já mencionada exigência constitucional de que a lei estabeleça um percentual mínimo de servidores efetivos que ocupem cargos em comissão. 

Ora, se a Constituição Federal se posicionou claramente no sentido de a regra do serviço público ser o servidor efetivo e a exceção o comissionado, quando a lei concede um privilégio ao comissionado em detrimento do efetivo está, evidentemente, contrariando a Constituição Federal.

Não obstante, observamos leis locais que instituem privilégios ao comissionado em detrimento do efetivo, como direito a licenças prêmio para o comissionado, ou em período inferior ao do efetivo, possibilidade de conversão de licenças em pecúnia para o comissionado, prêmios por assiduidade e outros.

Dispositivos legais que prevêem privilégios como esses são inconstitucionais e, como tais, devem ter sua aplicação afastada quer pelo Poder Executivo, quer pelos órgãos externos de controle, sejam Tribunais de Contas ou mesmo o Poder Judiciário.

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