COMO O CORONAVÍRUS TRANSFORMOU O TRABALHO REMOTO NO SERVIÇO PÚBLICO



Por Marilia Zamoner


Já podemos dizer que o trabalho remoto no serviço público pode ser dividido em duas eras: antes da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e depois dela.


Antes da Pandemia

Antes da pandemia de COVID-19 (doença causada pelo SARS-CoV-2), via de regra, o trabalho remoto no serviço público era visto pela Administração Pública como uma benesse ao servidor público. A Administração Pública, frequentemente andando um ou dois passos atrás da iniciativa privada, muitas vezes a contragosto, fazia essa enorme concessão ao servidor, em troca de maior produtividade.

Neste cenário, o servidor era obrigado não apenas a arcar com os custos do teletrabalho, devendo ele, com seus recursos pessoais, providenciar equipamentos e conexões – situação impensável no setor privado – mas também deveria trabalhar mais que os servidores, cujo local de trabalho continuava sendo nas sedes públicas - situação igualmente impensável em locais de trabalho privados.

Rapidamente, entretanto, a Administração Pública, como era de se esperar, começou a perceber as enormes vantagens do trabalho remoto para a própria Administração, entre elas: custos reduzidos de manutenção de suas sedes, redução de equipamentos, de espaço, de estacionamento, de pessoal terceirizado, de limpeza, de produtos de limpeza, de insumos diversos, de café, de água, de açúcar, de papel higiênico, e a lista continua...

Ao mesmo tempo, outros benefícios começaram a ser percebidos mais sutilmente: os servidores em trabalho remoto eram obrigados a trabalhar o equivalente a um horário superior ao dos servidores presenciais. É dizer: enquanto os servidores presenciais eram obrigados a estarem nas sedes trabalhando pelo período diário de oito horas, por exemplo, os servidores em trabalho remoto, deveriam produzir o equivalente a nove ou dez horas de trabalho diário. A produção desses servidores, portanto, aumentou, aumentando, consequentemente, os resultados. Não apenas a Administração Pública e o Serviço Público, mas as gestões se beneficiam muito de resultados.

De quebra, menos trânsito, maior preservação ambiental e sim, maior qualidade de vida e felicidade para os servidores em trabalho remoto que mantinham contato mais estreito com sua família, fatores que, é bom que se lembre, não é apenas bom para o servidor. Justamente por melhorar a vida de quem trabalha, aumenta a produtividade, sendo bom para a Administração Pública e, portanto, para o contribuinte. Essa relação entre felicidade e produtividade, como é de se imaginar, já foi descoberta há muito pelo setor privado.

Indiretamente, o trabalho remoto diminui o trânsito, a poluição, o consumo de bens adquiridos pelo contribuinte à disposição de servidores e membros de poder dentro das respectivas sedes públicas.

Entretanto, a resistência em admitir os benefícios do trabalho remoto para a Administração Pública, estranhamente continuava. Houve, inclusive, casos de disparatado retrocesso nesta área. O que talvez os gestores da resistência passaram a, acertadamente, vislumbrar, era a gradativa desnecessidade de espaços públicos, e com eles, a desnecessidade de reformas, obras e suas respectivas licitações, feitos que, costumeiramente, funcionam como marcos de gestões, com direito a festividades,  inaugurações, placas penduradas pelas sedes e outros consectários menos lícitos, embora igualmente comuns.


Depois da Pandemia

Em questão de dias, a Administração Pública foi forçada a fechar suas sedes.

De repente, a única solução para o serviço público continuar era, precisamente, aquele trabalho que deixa o servidor feliz: o famigerado trabalho remoto.

E assim aconteceu.

Atropelando ideologias, rapidamente, a tecnologia necessária se fez presente para que milhares de servidores públicos executassem seu trabalho de suas casas, mantendo o Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradorias da Fazenda, Tribunais de Contas, Prefeituras, Secretarias e diversos outros setores do serviço público em pleno funcionamento.

De outro lado, menos reuniões passaram a ocorrer, o que revelou a desnecessidade real de muitas delas. Problemas internos e, até atendimento ao público, começaram a ser resolvidos diretamente pelos servidores em trabalho remoto, diminuindo trânsito e necessidade de equipamentos e pessoas para passar e repassar ligações, contatos etc.

Mesmo sem querer, esta realidade escancara aos gestores públicos o fato insofismável de que o trabalho remoto, muito mais que deixar o servidor feliz, é mais eficiente, mais produtivo, infinitamente menos custoso e, portanto, atende, com larga vantagem, aos princípios constitucionais administrativos da impessoalidade e da eficiência, insertos no art. 37 da Constituição Federal. Negá-lo, portanto, passa a ser inconstitucional.


Perspectivas de Futuro

A pandemia pela COVID-19 ainda terá muito a nos ensinar. Hábitos de consumo, de trabalho, de relações sociais, de administração do tempo estão sendo rápida e profundamente transformados. Algumas dessas transformações vieram para ficar.

Não estamos apenas aprendendo o que é e o que não é importante em nossas vidas como seres humanos, como mães, pais, filhas, filhos, tios, sobrinhos, amigas, amigos, colegas. Estamos aprendendo também, como contribuintes, quais serviços públicos são importantes e valem nosso dinheiro e quais são os que não nos faz falta alguma.

Estamos aprendendo quem, verdadeiramente, somos nós, como indivíduos e como sociedade, como Estado, Administração Pública, país e aldeia global.

E, neste aprendizado, o que é dispensável, morrerá.

É um caminho sem volta.

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