EVANGELIZAR EM PAPEIS ESTATAIS. NÃO PODE NÃO.

Como se sabe, a Constituição Federal consagrou a laicidade estatal (art. 5º, VIII e art. 19, I e III), determinando, assim, a neutralidade religiosa do Estado. 

É a laicidade estatal que permite ao Estado abraçar todas as pessoas sem qualquer distinção de crença ou, ainda, da ausência de qualquer crença religiosa. 

Assim, na medida em que o Estado professa uma fé específica, por meio de seus documentos oficiais, estabelece uma preferência de alguns cidadãos sobre outros, rompendo essa neutralidade, e, consequentemente, violando a Constituição Federal. 

Usar o Estado para evangelizar é indicar ao contribuinte, que o Estado, sendo adepto de certa mitologia, não é adepto de todas as demais e, muito menos, à ausência de qualquer uma.

Nem a predominância da religião cristã em nosso país é justificativa plausível para ignorarmos a Constituição Federal. 

A laicidade estatal é resultado de séculos de evolução civilizatória. Por trás de cada inciso do art. 5º de nossa Constituição Federal, há morte, sofrimento e muito sangue derramado. Milhares, quiçá milhões de pessoas, padeceram sob a espada estatal por não compartilhar da fé oficial, até chegarmos à conclusão de que a mistura entre Estado e Religião não é a melhor escolha.

A neutralidade estatal, portanto, consagra um dos fundamentos de nossa República, a dignidade da pessoa humana. Garante a igualdade de direitos de todos e impede distinções ou preferências entre brasileiros.

Quando o Estado claramente prefere um grupo a outro, estabelece uma discriminação infundada, não autorizada pela Constituição Federal. Quando o Estado inclui verbetes bíblicos em papéis estatais, está dizendo textualmente que prefere cristãos a quaisquer outros. E se o contribuinte não estiver no grupo favorito do Estado, não será tratado com a igualdade exigida pela Constituição Federal. O salário do servidor, no entanto, é pago por todos os contribuintes, indistintamente, inclusive por aqueles que não comungam de sua fé.

É justamente por essa razão que se impõe a neutralidade estatal. Essa é a origem do Estado laico.

Destacamos, por oportuno, que, conforme o art. 5º, VI da Constituição Federal, ao servidor – como a qualquer cidadão – é garantido o direito de exercer sua própria fé. Para isso, esse mesmo dispositivo protege os locais de culto e suas liturgias, situações essas, apropriadas para a manifestação da fé religiosa. Entretanto, o servidor público, no exercício de suas funções públicas, encarna a manifestação do Estado e não a do servidor. É-lhe vedado, portanto, fazer uso de suas funções públicas para evangelizar.

Por outro lado, o fato de estar impedido de usar o Estado para evangelizar sua própria crença religiosa, não é o mesmo que estar impedido de ter uma crença religiosa e a manifestar. O que não pode é dizer que o Estado comunga de suas crenças. E quando usa documentos públicos para tanto, é exatamente isso que está dizendo.

Por essa razão, qualquer entidade pública é constitucionalmente instada a se abster de incluir em suas manifestações oficiais, citações bíblicas ou qualquer outra manifestação religiosa, em obediência à laicidade estatal, inserta no art. 5º, VIII e 19, I e III da Constituição Federal.

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