CARGO EM COMISSÃO E A TRANSFERÊNCIA DE PODER

Uma realidade muito triste e extremamente nociva ao serviço público é a prática corriqueira do uso de cargos em comissão como moeda. Explicamos.


Não é segredo para ninguém que as coligações partidárias feitas para uma campanha eleitoral visam uma participação de membros dessas coligações na futura Administração Pública do eleito.

Lamentavelmente, entretanto, isso quer dizer que o eleito "paga" o apoio político que teve durante sua campanha, entre outras formas, por meio da nomeação de servidores comissionados indicados por partidos que compuseram a dita coligação partidária durante a campanha eleitoral.

Então, nomeiam-se Chefes e Diretores de setores, departamentos, órgãos, seções e serviços que, frequentemente, estão lá a fim de cobrar a conta de sua participação na campanha eleitoral, pouco importando sua qualificação e comprometimento técnico com o pedaço da Administração Pública, cuja liderança lhe foi confiado.

Como a nomeação nesses cargos em comissão consiste no "pagamento" da participação na campanha do gestor que se sagrou vencedor, a autoridade nomeante acaba por renunciar ao poder daquele setor, órgão, departamento etc.

Esta renúncia, muitas vezes, traz danos irreparáveis ao patrimônio público e a bens jurídicos constitucionais, como por exemplo, o bem ambiental. A autoridade retira-se de seu ofício de gestão da coisa pública e o transfere para o "dono" do cargo em comissão usado como pagamento.

Recentemente, vimos estarrecidos uma agressão à uma Unidade de Conservação municipal, uma das poucas áreas de Mata Atlântica preservada na qual seus técnicos já identificaram elevada concentração de biodiversidade de alguns grupos da fauna silvestre, além de espécies sob risco (processos semelhantes já levaram a casos de extinção). Ali, justamente nesta Unidade de Conservação, alguém determinou fosse chamada a população para avaliar seus animais de estimação. Por quatro dias, esta Unidade de Conservação esteve exposta a cerca de cinco centenas de cães, gatos e outros animais exóticos, alguns doentes, tendo sido submetidos a eutanásia no próprio local, além de terem urinado, defecado, latido e gerado um risco sanitário incalculável à fauna silvestre protegida por lei federal. É sabido e consabido que esse tipo de prática afugenta a fauna nativa, reduzindo seu habitat, provoca seu estresse interrompendo suas atividades rotineiras e comprometendo sua reprodução e crescimento, suprimindo seus sistemas imunológicos, vulnerabilizando para doenças e parasitas, provocando assim a mortalidade*.

Há ainda um complicador nesta prática, pois esse tipo de atividade encontra simpatia da população. Entretanto, trata-se de uma decisão que deve ser estritamente técnica, a fim de dar cumprimento ao dispositivo constitucional.

Servidores efetivos em vão, tentam minimizar os estragos desta decisão, apesar do receio de serem punidos com transferências e outros meios de represália frequentemente utilizados nesses casos. Pelo menos a estabilidade não os porá na rua.

É mais que hora de repensar toda a estrutura de cargos em comissão e olhar mais responsavelmente para os limites e requisitos do desenho feito pela Constituição Federal.

Nota: * Impacts of dogs on wildlife and water quality

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