SERVIDOR NÃO É CABO ELEITORAL

É comum servidores públicos receberem ordens para participar ativamente de campanha eleitoral de seus superiores hierárquicos (prefeitos, governadores, vereadores, deputados). O que não é comum, contudo, é saber que tais ordens são ilegais, configurando, inclusive, atos de improbidade administrativa, estando o gestor que ordena, sujeito à perda da função pública, suspensão de direitos políticos e pagamento de multa.

Lamentavelmente a imposição de participação em campanhas eleitorais aos servidores públicos é uma prática recorrente no serviço público, chegando a tal ponto, que os superiores hierárquicos, sem qualquer pejo, convocam reuniões entre servidores para orientá-los em práticas destinadas a trazer benefícios eleitorais aos agentes políticos que concorrem à reeleição. E note-se: isso normalmente é organizado durante o horário do serviço e exigido que os servidores se prestem a essas práticas  também em seu horário de serviço.

Acontece que o servidor público não é empregado particular da autoridade a qual está subordinado. Seu patrão é o contribuinte e não o prefeito, o governador, o deputado. É ao contribuinte que o servidor deve servir. E note que esta obrigação é do servidor público, seja efetivo ou comissionado, eis que o salário de todos os servidores, inclusive do comissionado, é pago pelo contribuinte.

O ato de improbidade administrativa, nunca é demais lembrar, sujeita o agente às penalidades previstas na Lei 8429/92, entre as quais a perda da função pública. E esse agente não é apenas o candidato à reeleição, mas também o servidor que deu a ordem ilegal. Bom lembrar que é uma prática também proibida pela Lei das Eleições (Lei 9504/97), em seu art. 73, sujeitando o candidato à multa severa e suspensão da prática.

Mas essas práticas não são apenas ilegais. São sobretudo inconstitucionais, na medida em que ferem os princípios administrativos constitucionais da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. Há, ainda, inconstitucionalidade mais grave, pois, também viola o direito fundamental à liberdade de expressão, desavergonhadamente vilipendiada pelo agente público que exige do servidor que utilize na vida pública e privada, suas insígnias eleitorais, inclusive no âmbito de suas redes sociais virtuais.

O servidor deve ficar atento, no entanto, pois em se tratando de ordem manifestamente ilegal, cabe ao servidor negar-se ao seu cumprimento, podendo representar à autoridade administrativa competente os fatos que teve conhecimento. Esta, por sua vez, deve encaminhar a informação ao Ministério Público para formação de ação adequada. Qualquer pessoa, inclusive, e não apenas o servidor público, pode representar à autoridade administrativa. Neste ponto, reconhece-se que a estabilidade do servidor efetivo o protege da possibilidade de exoneração a qualquer tempo a qual o servidor comissionado está sujeito, razão pela qual este é mais vulnerável a sucumbir às ordens ilegais. No entanto, a obrigação da recusa se impõe a ambos.

Fato é que os agentes públicos devem entender que não apenas os servidores públicos – efetivos ou comissionados – não são “seus” servidores, mas, sobretudo, que o processo eleitoral passa, necessariamente, pela livre e consciente escolha do eleitor e que o uso de servidores para seus propósitos particulares, não apenas é humilhante ao servidor, é ilegal.


Notas
1. Lei 8249/92. Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer
natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas
no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
2. Art. 22 do Código Penal: Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

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